Casos Clínicos

Caso Clínico 2

 

R.C.M.S., 22 anos, II gesta O para (1 abortamento provocado durante o 4o mês), foi admitida na Enfermaria de Alto Risco do IMIP em 2/12/98, com idade gestacional de 31/32 semanas (ultra-sonografia corrigida de primeiro trimestre). Trazia ultra-sonografia realizada durante o pré-natal (2/12/1998) que evidenciava líquido amniótico aumentado (+/++) e ascite fetal de moderada intensidade, sem outras malformações fetais. Tinha iniciado acompanhamento pré-natal no segundo mês de gestação, no IMIP, tendo feito 5 consultas. Recebeu vacina antitetânica. Negava manobras abortivas, contato com doenças infecciosas, uso de drogas, exposição a radiação e quaisquer outras intercorrências. Negava antecedentes de malformações na família.

O exame físico geral não detectou anormalidades, verficando-se uma pressão arterial de 110 x 70 mmHg. Ao exame obstétrico observamos, útero de tono normal e sem dinâmica; altura de fundo uterino de 37 cm. Feto em situação longitudinal, apresentação cefálica. Batimentos cardíacos fetais (BCF) = 140 bpm. Toque: colo apagado 20%, pérvio para 2 cm, apresentação cefálica, bolsa íntegra.

As hipóteses diagnósticas no internamento foram de hidropisia fetal não-imune e poliidrâmnio, interrogando-se malformação fetal.

Os exames complementares realizados entre 2 e 10/12/1998 apresentaram os seguintes resultados: Classificação sangüínea: A positivo; VDRL negativo; curva glicêmica: normal; toxo-plasmose: IgG e IgM não-reagentes; rubéola: IgG reagente, IgM não-reagente; citomegalovírus: IgG e IgM não-reagentes.

A ultra-sonografia de 2/12/1998 mostrou feto único em situação longitudinal, com apresentação cefálica e dorso à esquerda. BCF presentes e rítmicos. Diâmetro biparietal = 7,8 cm; circunferência abdominal (CA) = 30,7 cm; comprimento do fêmur (CF) = 5,6 cm. Perfil biofísico fetal normal. Placenta grau zero. Índice do líquido amniótico de 22 cm. A idade gestacional foi avaliada em 31/32 semanas. Ascite fetal de moderada a grande intensidade. Não foram identificadas quaisquer outras alterações na morfologia fetal. Relação CF/CA de 18,6. Realizou-se ecocardiografia fetal, sem anormalidades.

Como não foram encontradas causas aparentes da ascite fetal, afastadas as principais etiologias, a paciente teve alta hospitalar em 10/2/1998, com hipótese diagnóstica de hidropisia fetal não-imune, recebendo orientação de controle ecográfico ambulatorial. Administrou-se cortico-terapia para aceleração da maturidade pulmonar fetal (betametasona 12 mg IM - 31/12/98 e 1/1/99).

A paciente submeteu-se a mais 2 ultra-sonografias em 10/12/98 e 29/12/98, mantendo-se o achado ultra-sonográfico de ascite fetal, sem outras anormalidades. Foi admitida no Serviço em trabalho de parto no dia 2/1/99, evoluindo para parto transpelvino às 7h30 min do dia 3/1/99. À amniotomia, observou-se saída de abundante quantidade de líquido amniótico citrino, com grumos (poliidrâmnio).

O recém-nascido era do sexo feminino, tendo pesado 2.670 gramas. Apresentou escores de Apgar de 4 e 7 no 1oe 5o minutos. Necessitou de estimulação tátil e ventilação com pressão positiva. A idade gestacional estimada pelo Capurro somático foi de 36 semanas e 1 dia. Ao exame após o nascimento, apresentava aspecto geral regular, encontrando-se dispnéico (++/4+), gemente, cianótico, apático, com batimentos de asa de nariz. Ausculta respiratória: murmúrio vesicular (MV) rude, sem ruídos adventícios. Abdome distendido, com presença de edema, petéquias e equimose. Passada sonda nasogástrica. Ânus pérvio.

A placenta era de aspecto macroscópico normal, com edema discreto e algumas calcificações.

As hipóteses diagnósticas no nascimento foram: 1) Recém-nascido pré-termo adequado para a idade gestacional;2) hipóxia moderada; 3) desconforto respiratório: taquipnéia transitória do RN?; 4) infecção congênita?

O RN evoluiu com piora do quadro, agravando-se o desconforto respiratório. Foi então submetido à ventilação mecânica assistida (VMA). Não houve eliminação de mecônio. Iniciou tratamento com ampicilina e gentamicina EV em 3/1/99 (leucograma infeccioso). No dia 04/01/99 manifestou-se piora da distensão abdominal, sendo então o RN avaliado pela Cirurgia Pediátrica. Ao exame físico, evidenciavam-se, além de distensão abdominal, equimoses e petéquias, massa pétrea no hipocôndrio direito. Ao toque retal, verificou-se eliminação de muco branco (Figura 1). Realizaram-se ultra-sonografia e raios-x de tórax e abdome (ver abaixo). Aventada a hipótese diagnóstica de peritonite meconial, sendo indicada laparotomia. Recebeu hemotransfusão, com dois concentrados de hemácias e duas unidades de plasma.

 

 

Os resultados dos exames laboratoriais são apresentados a seguir: Leucograma — o exame de 3/1/99 apresentava 23.882 leucócitos/mm3, com contagem diferencial de 5 pró-mielócitos, 1 mielócito, 3 metamielócitos, 28 bastões, 24 segmentados. No dia 4/1/99, encontraram-se 35.000 leucócitos/mm3, 1 mielócito, 2 metamielócitos, 12 bastões e 54 segmentados. Hemoglobina de 8,2 g% em 4/1/99.

Radiografia de abdome (em 4/1/99): extensas calcificações em placa distribuídas no abdome, com predomínio no quadrante superior direito, compatíveis com peritonite meconial calcificada. Ausência de gás na ampola retal e presença de moderada dilatação das alças de intestino delgado até a região do íleo terminal. Hipótese diagnóstica: atresia ileal - íleo meconial (Figura 2).

 

 

 

A ultra-sonografia abdominal em 4/1/99 mostrou fígado e vias biliares normais, observando-se material ecogênico com sombra acústica posterior, correspondendo às calcificações (peritonite meconial?) já descritas em radiografia simples de abdome. Ausência de coleções intracavitárias significativas.

Realizou-se laparotomia exploradora em 4/1/99. Após incisão transversa no hipocôndrio direito, encontraram-se os seguintes achados cirúrgicos: peritônio espessado, com aumento da vascularização e coloração esverdeada. Não foi possível penetrar a cavidade sem passar através da coleção de mecônio, que ocupava todo o hipocôndrio direito (Figura 3). Havia aderências firmes entre as alças e uma dilatação importante das alças do íleo terminal, o qual terminava conectado à membrana que envolvia o bolsão de mecônio. Aderido à parede do bolsão de mecônio encontrava-se o segmento distal do íleo terminal medindo aproximadamente 4 cm e continuando-se com a válvula ileocecal e colons os quais encontravam-se com aspecto de desuso (microcólon). O intestino delgado media cerca de 40 cm do ângulo de Treitz até a sua ligação com o bolsão de mecônio, parecendo encurtado em sua extensão. Realizou-se então lise de aderências e ileostomia em dupla boca, firmando-se o diagnóstico pós-operatório de peritonite meconial e atresia de íleo.

 

 

 

No pós-operatório, o RN evoluiu inicialmente com melhora clínica, sendo retirado do respirador, passando-se para CPAP nasal. A antibioticoterapia foi mantida. Recebeu nova hemotransfusão com 1 concentrado de hemácias, em 6/1/99. Houve redução progressiva da FiO2. O abdome era depressível, com edema de parede, e a ileostomia funcionava satisfatoriamente. Foi solicitada avaliação para fibrose cística do pâncreas. Em 8/1/99 apresentou piora do estado geral, encontrando-se taquipnéico, febril, hipocorado, desidratado, com fácies de sofrimento. Os pulmões estavam hipoventilados, com estertores, verificando-se tiragem intercostal, freqüência cardíaca de 198 bpm e freqüência respiratória de 72 bpm. Reiniciada ventilação mecânica assistida em 8/1/99. Em 9/1/99 apresentou parada cardiorrespiratória irreversível, sendo constatado o óbito às 6h30 min.

 

 

 

Discussão

A peritonite meconial é uma entidade rara, porém nos últimos anos vem se observando um aumento de sua incidência, com maior freqüência de diagnóstico pré e pós-natal. Relatos de casos diversos têm sido publicados na literatura mundial1,4,14. Conquanto o prognóstico persista desfavorável, alguns autores aventam a possibilidade de que o diagnóstico pré-natal possa melhorá-lo6,22.

De acordo com Dirkes et al.6, apenas 22% dos fetos com um diagnóstico pré-natal de peritonite meconial desenvolvem complicações requerendo cirurgia pós-natal. Na ausência de malformações intestinais (peritonite meconial "simples"), a regressão espontânea intra-útero já foi descrita7. No entanto, a associação com malformações, em geral a atresia ileal, descrita como peritonite meconial "complexa" determina piora do prognóstico.

No caso que apresentamos, a peritonite meconial encontrava-se associada a atresia ileal, com achado radiológico característico de calcificações intra-abdominais que, no entanto, não foram evidenciadas pela ultra-sonografia pré-natal. O achado ecográfico de ascite fetal levou à hipótese diagnóstica de hidropisia fetal não-imune, não tendo sido aventada a possibilidade de peritonite meconial. Há referências na literatura da peritonite meconial como diagnóstico diferencial de hidropisia não-imune3, uma vez que a ascite constitui um dos achados mais freqüentes e nem sempre as calcificações são evidentes pela ultra-sonografia.

Acreditamos que a falta de diagnóstico pré-natal tenha complicado a evolução neonatal no presente caso, uma vez que houve retardo no diagnóstico pós-natal, tendo sido realizada intervenção cirúrgica tardiamente, com o recém-nascido em condições desfavoráveis. O óbito, já no 4o dia pós-operatório, depois de uma melhora clínica inicial, associou-se com o quadro de sepse secundário à infecção hospitalar, talvez evitável se a cirurgia tivesse sido indicada precocemente. Vale ressaltar, todavia, que mesmo quando se estabelece o diagnóstico pré-natal, a mortalidade é ainda elevada quando existem malformações intestinais11.

Taxas elevadas de mortalidade, em torno de 40-60%, têm sido descritas para estes casos2,18,20, em contraste a taxas mais baixas, em torno de 10%, para a peritonite meconial simples com diagnóstico pré-natal 3, 6. Wang et al.22 (1994), no entanto, descreveram uma baixa taxa de mortalidade (1 em 10 casos) mesmo para a peritonite meconial complexa, associada a atresia ou perfuração ileal. Os autores creditam esse resultado favorável em parte ao diagnóstico pré-natal (realizado com sucesso em 4 pacientes) e, em parte, ao progresso nos cuidados intensivos no período pré-natal. Melhores resultados nesta doença potencialmente fatal podem portanto ser antecipados pela cooperação entre neonatologistas, cirurgiões pediátricos e obstetras

 

Caso 
Clínico
 1

Identificação - R.E.M.O, 42 anos, feminino, professora, natural de São Paulo, residente em Belém há vários anos.

História da Doença Atual  - Procurou atendimento médico em  15/5/2006, relatando início dos sintomas em 10/5/2006, com febre, cefaléia, astenia, anorexia, dor lombar, dores nos membros inferiores e hiperestesia cutânea. Negava prurido, queixas digestivas, respiratórias ou urinárias. História pregressa de rubéola, confirmada por sorologia. No último final de semana que antecedeu o início dos sintomas (6 e 7/5/06), freqüentou um sítio na cidade de Benevides, a cerca de 40 Km de Belém. Não havia relato de outros casos febris entre as pessoas que também estiveram no sítio junto com a paciente, porém, alguns vizinhos seus em Belém estavam com suspeita de dengue.

Exame Físico Geral - Temperatura axilar de 38,5ºC. PA  – 120 x 80mmHg. Peso - 62,5Kg.

Orofaringe: normal, ligeiro exantema do tipo eritematopapular em todo o tegumento. Ausculta pulmonar, Ausculta cardiovascular e Abdome: sem  anormalidades.

Conduta Diagnóstica - Foi solicitado hemograma e sorologia para dengue (1ª.amostra). Hemograma; Leucócitos 5.100/mm3 (segmentados: 64%,linfócitos: 30%, monócitos: 4%, eosinófilos: 1%, basófilos: 1%) e plaquetometria normal.

Conduta Terapêutica - Prescrito paracetamol 750 mg por via oral a cada 6 horas em caso de dores ou febre, hidratação oral com líquidos à vontade e retorno para avaliação em 48 horas.

Os Fatos - Em 17/5/2006 - Houve regressão total dos sintomas, persistindo apenas ligeira astenia. Recebeu alta médica.

       Em 23/5/2006 - Retornou a consulta por causa de febre e cefaléia iniciada no dia anterior.

Exame Físico - Temperatura axilar de 39ºC, demais aparelhos sem outras alterações significativas.

Questões:

1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso?2. Quais as 2 hipóteses mais prováveis na sua opinião?

3. Que exames complementares você solicitaria?

4. Que outros dados epidemiológicos seriam importantes para o caso?

5. A conduta clínica está satisfatória? Você faria diferente?

Respostas

1. R.: a) Dengue, malária, hepatite, febre maculosa, parvovirose, febre tifóide, Oropouche, Mayaro, doença de Chagas agudo; b) Outras doenças febris exantemáticas; c) Farmacodermia.

2. R.: a) Dengue, b) Malária

3. R.: a) Hemograma, pesquisa de hematozoários; b) Isolamento viral (sob indicação da Vigilância Epidemiológica); c) Transaminases; d) Hemocultura; e) Sorologias específicas.

4. R.: a) História vacinal de febre amarela

5. R.: a) Medir a PA em duas posições; b) Fazer prova do laço; c) Explorar melhor os sinais de alarme; d) Exame físico mais detalhado.

Caso
Clínico
1
(continuação)

O Resultado da sorologia para dengue ELISA IgM (1ª amostra)foi negativa, então foi solicitada nova sorologia para dengue (2ª amostra).

26/5/2006
 - Praticamente assintomática, temperatura axilar 37,6ºC.

1/6/2006
- Completamente assintomática. Como a sorologia para dengue (2ª amostra) foi negativa, foi solicitada investigação para outros arbovírus no Instituto Evandro Chagas.

5/6/2006
- Evoluiu assintomática.

14/6/2006
 - Resultado da investigação para arbovírus com conversão sorológica significativa para o vírus Oropouche
(aumento de 4 vezes do título de anticorpos), indicando, portanto, infecção recente por Oropouche.

Critérios
 para
 solicitação
 da
 sorologia 
e 
isolamento viral:

Em situação
 de
 epidemia, não
 é
 necessário
 testar todas as amostras, pois isto não implicará em medidas de controle adicionais. Deve-se priorizar
 os casos que necessitam de confirmação diagnóstica. b) Em situação
não
epidêmica, porém, o diagnóstico
sorológico
de
 todos
 os
 casos
é importante, para que um aumento no número de casos seja detectado precocemente e medidas de controle sejam oportunamente implementadas. c) O Isolamento
 viral
 é importante para o conhecimento e monitoramento dos sorotipos circulantes, a sugestão esperada é a implantação de unidades sentinela para coleta de amostras e descentralização da técnica para mais Laboratórios de Referência Estadual. Outros aspectos que podem ser discutidos tais como a retro-alimentação de informação entre laboratório, vigilância epidemiológica e a unidade que prestou atendimento. Comportamento da viremia e da resposta imune (primária e secundária) na infecção pelo vírus da dengue.

 

Retirado de: https://www.dengue.lcc.ufmg.br/dengue_cd/files/casos/textos/caso_1.pdf

                   https://www.infoescola.com/doencas/febre-de-oropouche/

                   https://revistas.unicentro.br/index.php/ambiencia/article/viewFile/315/438

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